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Bali

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Fotografia: JMPhoto

O Actor

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O actor acende a boca. Depois os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor pôe e tira a cabeça
de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente
como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.

O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca
e retira
o adjectivo da coisa, a subtileza
da forma,
e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã com sua
divagação de maçã.
Fabrica peixes mergulhados na própria
labareda de peixes.
Porque o actor está como a maçã.
O actor é um peixe.

Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus, e
dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que atravessa
a distância de Deus.
Embrulha. Desvela.
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humidade e o calor da terra
à confusão dessa palavra.
Recita o livro. Amplifica o livro.
O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia.
O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente como o actor.
Como a unidade do actor.

O actor é um advérbio que ramificou
de um substantivo.
E o substantivo retorna e gira,
e o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamente
do Nome.
Nome que se murmura em si, e agita,
e enlouquece.
O actor é o grande Nome cheio de holofotes.
O nome que cega.
Que sangra.
Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo,
enche o corpo com melodia.
Corpo que treme de melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o actor.
Como o corpo do actor.

Porque o talento é transformação.
O actor transforma a própria acção
da transformação.
Solidifica-se. Gaseifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto.
Faz crescer o acto.
O actor actifica-se.
É enorme o actor com sua ossada de base,
com suas tantas janelas,
as ruas –
o actor com a emotiva publicidade.
Ninguém ama tão publicamente como o actor.
Como o secreto actor.

Em estado de graça. Em compacto
estado de pureza.
O actor ama em acção de estrela.
Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomina.
O actor vê aparecer a manhã sobre a cama.
Vê a cobra entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral.

O actor em estado geral de graça.

Herberto Hélder

Fotografia: Actor Barong, Bali, Indonésia, por João Martins Pereira

Drop-D

Amanhã, 30 de Junho,  inaugura a exposição do Projecto Drop-D, de que já falei em post anterior, e onde fui gentilmente convidado a participar.

As três imagens que terei expostas são sobre a Dança Barong de Bali e foram feitas numa viagem à Indonésia, em 2011.

A Dança Barong é, porventura, a mais conhecida das danças-narrativas balinesas, evocando a eterna luta enre o Bem e o Mal e juntando dimensões históricas e mitológicas na mesma realidade. Tem, assim, várias versões e variantes em que é representada.

Em resumo, Rangda (o Mal) encarna o espírito de Calonarang, uma rainha-demónio mítica, condenada pela prática de magia negra. Rangda era mãe de Erlangga, Rei de Bali no século X.

Rangda reina sobre todos os espíritos maléficos e todos os demónios da selva e, segundo uma das versões, matou o próprio marido só por lhe ter apontado os dedos esticados da mão esquerda. Agora viúva, reuniu todas as forças da magia negra para combater o próprio filho, o Rei Erlangga

Erlangga, em grandes dificuldades perante as forças do Mal, pede a ajuda de Barong, uma criatura-leão que comanda os espíritos bons e as forças do Bem.

Barong luta com Rangda, o Bem contra o Mal, mas os poderes de ambos equivalem-se.

Barong reune um exército de soldados de Erlangga para a batalha. Os soldados têm como arma uma adaga de lâmina ondulada, afiada e envenenada, a kris (tambem dita, keris).

Rangda, a bruxa negra, lança um feitiço poderoso que faz com que os soldados de Erlangga tenham a tentação de virar as suas kris contra o próprio peito, suicidando-se. É a vez de Barong e das forças do Bem entrarem em cena com um contra-feitiço, tornando o corpo dos soldados resistentes às afiadas kris.

Barong vence, Rangda foge e o Bem triunfa sobre o Mal, restabelecendo a ordem.

Os balineses continuam até hoje a ter um respeito profundo pela dança Barong e acreditam que um dançarino-soldado de espírito fraco corre sérios riscos de não resistir ao feitço de Rangda,  mesmo protegido por Barong. Se isso acontecer, acaba por se ferir com a sua própria kris. 

Por outro lado, as máscaras usadas por Barong e Rangda na dança são consideradas sagradas. Antes de cada performance, as máscaras são benzidas com água santa do Monte Agung e são feitas oferendas. 

Para a exposição, optei por subverter um pouco a mensagem e apresento três fotografia de um personagem colorido, histriónico e travesso, o anão. Não sendo um papel principal,  no fundo é quase um separador entre cenas, atravessa toda a peça entre o utilitário (responsável pelo fogo, por exemplo) e o intrometido, importunando os personagens principais.

As restantes imagens podem ser vistas no site principal, na página “Olhar Outros Olhares” do “Baú de Memórias”, divididas em três galerias: A Dança, Backstage e Os Músicos.