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Morimoto

A cozinha e tudo o que a cozinha envolve é um dos meus universos secretos. Desde os produtos aos mercados, dos livros (alguns são, para além de livros de cozinha, espantosos trabalhos de fotografia) aos equipamentos, das técnicas (algumas a roçar a alquimia) aos tachos, estou num dos meus vários mundos.

Com ousadia e alguma imodéstia, vou comandando a minha própria cozinha com resultados que os que me são próximos vão generosamente apreciando. Tenho a felicidade de conhecer muitos dos grandes Chefs de cozinha em Portugal e de ser amigo de alguns. Fiz no passado alguns cursos, mas aprendo fundamentalmente a ler, a ouvir, a ver e a adivinhar como se faz.

E aprendo a provar o que de melhor se cria, recria, inventa ou homenageia na cozinha. Tal como em tantas outras Artes, o difícil é simplificar. Complicar toda a gente consegue, apesar de os resultados serem frequentemente desastrosos, mesmo quando falamos em restaurantes ditos de referência. Agora, trazer à glória o melhor que os ingredientes nos dão, respeitando a sua essência, encontrar o equilíbrio instável e volátil entre sabores, texturas, cores e aromas, aí está o segredo e a arte da cozinha que me fascina.

NY é, neste campo como em tantos outros, um dos topos do Mundo.

Aqui estão os melhores Chefs do mundo, de Alain Ducasse a Thomas Keller, de Jean-Georges a Daniel Bouloud, de Gordon Ramsay a Joel Robuchon, de Shaun Hergatt a Daniel Humm ou a Gaston Acurio, toda a gente que é gente está em NY. Aqui estão das melhores lojas do Mundo, a minha venerada Williams-Sonoma à cabeça, com a sua incrível oferta de facas de cozinha, uma fixação quase doentia, que me deixa pregado aos expositores, tentando, em desespero, manter o cartão de crédito numa saudável imobilidade.

Combinado tudo, grandes Chefs, belíssimos restaurantes, produtos impecáveis e siimplificação sofisticada chegamos, pois claro, à cozinha japonesa. E, neste campo, NY é muito perto do paraíso, com opções fabulosas.

No domingo fui jantar ao Morimoto.

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“Chef Morimoto, born and raised in Hiroshima, learned the art of sushi and traditional kaiseki cuisine by training under several of his country’s esteemed master chefs. After being the chef-owner of a restaurant in Japan for five years, chef Morimoto moved to New York City to explore western cooking styles. fifteen years later, he has become well known for his unsurpassed culinary talent. Among chef Morimoto’s passions is his collection of traditional japanese culinary tools. Recently, Ralph Lauren designed his new chef wear.”

Masaharu Morimoto, uma verdadeira estrela !!

O restaurante fica integrado no quarteirão do famosíssimo Chelsea Market. E um par de ruas abaixo do mítico Chelsea Hotel, por onde vagueiam livres as memórias de Dylan Thomas ou Arthur Miller, de Jimmi Hendrix ou Leonard Cohen, de Patti Smith ou Robert Mapplethorpe, de Bob Dylan ou Janis Joplin, de Charles Bukowski ou Jack Kerouac. Um marco da cidade e, afinal, uma esquina incontornável de uma geração.

O espaço interior é, tal como a Arte pede, de um requinte minimalista onde a simplificação pareçe fácil. E será, se se tiver o génio arquitecto Tadao Ando, o autor do projecto.

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A ementa é um síntese perfeita entre o classicismo de um sushiman da escola clássica e um chef atento à modernidade (uma ostra vaporizada em saké, com um cubo de foie gras em emulsão de teriaky serve de exemplo ?)

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Optei pelo menu omakase, acompanhei com dois copos da extraordinária colheita de 2011 do meu amado Cloudy Bay e senti-me feliz por existir.

Santi Santamaria (1957-2011)

Santi Santamaria, o chef das 7 estrelas Michelin, morreu repentinamente ontem quando apresentava o seu novo restaurante Santi, em Singapura. E onde poderia Santi deixar a vida senão no local que foi a sua vida ? Na cozinha, evidentemente.

Num tempo em que a cozinha cruzou caminhos com a física, a química, genética, a arquitectura, o design e outras ciências, exactas ou não, no tempo em que Hervé This abriu caminho ao reinado de Ferran AdriáHeston Blumenthal, Paco Roncero e tantos outros, Santi saiu a terreiro a defender a sua causa.

Frontal, truculento, por vezes violento, Santi manteve polémicas acesas principalmente com Adriá, batendo-se pela cozinha tradicional e pelos “productos de la tierra” de cuja utilização nunca abdicaria sem deixar de os modernizar no seu conceito evoluído de cozinha mediterrânica.

Na cozinha de Santi não haveria instrumentos de precisão, gomas várias, alginatos, espumas, azotos, desconstrução, esferificação. Havia tachos, panelas, facas de chef de corte cirúrgico, peixes e mariscos com cheiro a mar, carnes nobres com cheiro a campo e vegetais de irrepreensível qualidade e frescura, cuidadosamente seleccionados por ele próprio (lendárias, as suas tábuas de queijos). A cozinha de Santi era um hino à cultura do Mediterrâneo e à memória dos nossos sabores

Estive um par de vezes no seu “Sant Celoni“, em Madrid, em cujo firmamento  já brilhavam 2 estrelas Michelin que me iluminaram jantares excelentes.

Contudo, a verdadeira experiência foi no projecto “Can Fabes“, na sua Sant Celoni natal, uma pequena povoação perto de Barcelona. Sintomaticamente, pessoas faziam centenas, milhares de quilómetros até uma aldeia perdida na Catalunha para ter o privilégio da cozinha de Santi.

Creio que Can Fabes – o restaurante e o pequeno hotel de design que mantinha no mesmo edifício) – seria o recanto pessoal de Santi, o seu porto seguro e talvez o seu projecto mais acarinhado, onde podia ser encontardo mais vezes, apesar dos seus 8 restaurantes e múltiplas solicitações. No fundo, o seu banco de ensaios. No Can Fabes tive um fim-de-semana de memoráveis experiências gastronómicas, guiado pela mão firme e pela figura volumosa de Santi, ele próprio.

No final, teve a gentileza de autografar e me dedicar um dos seus livros de “cocina de productos de la tierra” que guardo como bem precioso.

Descanse em paz.