Texto publicado na revista “Outras Coordenadas”, nºs 3 e 4
Kiev
A Cidade das Cúpulas de Ouro
Para a Elsa Martins
Cheguei a Kiev, ou Kyiv na versão foneticamente mais correta do original em ucraniano, apenas 10 anos depois da incontornável tragédia de Chernobyl e uns escassos 5 anos após a independência.
Tinha diante de mim o extraordinário, e algo inesperado, desafio profissional de instalar e dirigir um escritório internacional de serviços de assessoria financeira em Kyiv. A proposta era profissionalmente estimulante e pessoalmente fascinante. Irrecusável, portanto. Confesso que, na altura, da Ucrânia conhecia pouco mais que o Dínamo de Kiev, Chernobyl, a renomada “Chicken Kiev” (que, aliás, não passa nem perto da gastronomia local) e o conceito apreendido na escola primária dos idos de 60 que “a Ucrânia era o celeiro da Rússia”. Ignorantemente, nem ideia da grandeza do povo, das atrocidades (várias e contínuas) da história, da excelência do intelecto, da capacidade de abnegação, sofrimento e superação dos ucranianos.
Um verdadeiro salto no escuro.
Vivia-se uma época onde tudo acontecia, a ritmo diário, com grandes e aceleradas transformações políticas, económicas, sociais, culturais. Para alguns (poucos) a fortuna súbita, dúbia e imensa, para outros (muitos, quase todos) o romper da teia, opressiva, sufocante, mas protetora, e o descobrir dum mundo novo com oportunidades e ameaças, para que, na generalidade, não estavam preparados nem informados. A História (re)construía-se à minha vista e ao meu alcance e, por vezes, deixava-me até ser um minúsculo figurante.
Por Kyiv fiquei quase três anos, magníficos de experiência de Vida. Pela realidade que me deu a conhecer, pela humildade que me mostrou ser dignificante, por me ter levado a ser um ser humano melhor, a minha gratidão à Ucrânia é eterna.
Aqui fica o meu roteiro sentimental de um povo superior e de uma cidade belíssima.
Andreyevskiy Spusk
Uma das mais antigas ruas de Kiev, outrora a via principal de ligação entre a Cidade de Cima, nobre de palácios e catedrais, e a Cidade de Baixo, habitada por mercadores e artesãos.
É hoje uma rua, na verdade uma ladeira com forte inclinação, vibrante e uma das principais atrações turísticas da cidade. Chamada a Montmartre de Kiev, a Spusk (no carinhoso diminutivo usado pelos locais) alberga galerias de arte, cafés, pequenos teatros, museus, lojas de artesanato e antiguidades.
Vendedores de souvenirs, desde memorabilia soviética às inevitáveis matrioskas, dos gorros de pelo às cópias dos relógios militares, das t-shirts “McLenin” aos trajes tradicionais, tudo se vende na Spusk. Pintores mostram os seus trabalhos na rua, músicos, cantores, atores, performers de várias artes trazem vida e animação à zona. Chegada a Primavera, começa a época de festivais, concertos, manifestações e celebrações públicas.
No ponto mais alto da Spusk, encontramos a Andreyevskaya, a Igreja de Santo André, construída no sec XVIII por ordem da Imperatriz Isabel. Diz a lenda que onde hoje corre o Deniepre havia um mar. Quando Santo André chegou à cidade, colocou uma cruz no exato sítio onde hoje se ergue a Igreja. De imediato, o mar recuou, deixando apenas alguma água no interior da colina que, quando a Igreja foi construída, brotou de uma fonte sob o altar. Por esta razão, a Igreja de Santo André não tem sinos, uma vez que o som acordaria as águas adormecidas e Kiev ficaria submerso.
Era o meu percurso sempre repetido dos domingos de manhã. Por isso lhe digo, por mais curta que seja a visita a Kiev, não fica completa sem um par de horas a vaguear despreocupadamente pela Spusk.
Bandura
A Bandura é o instrumento musical tradicional da Ucrânia. Para mim, leigo na matéria, parece-me ser uma guitarra de grandes dimensões e muitas cordas …
Na realidade, penso ser um instrumento que resume o compromisso entre uma viola, um alaúde e uma harpa, traduzido nas 68 cordas que, habitualmente, ostenta. Elemento fundamental na música tradicional da região, a bandura era presença certa nas margens da Spusk, cativando os passantes com a imagem do instrumento, a pose e habilidade do bandurista e o som encantatório que produzia.
Na minha despedida da cidade, uma das memórias que trouxe foi preciamente uma Bandura, que guardo com zelo emocional e frustração por não saber utilizar.
Circo
Uma arte maior – ensinada a nível universitário, apreciada, prestigiada e reconhecida – na tradiçãoo cultural da Europa Central e Oriental.
O Circo de Kiev tinha sede num edifício imponente – ao melhor estilo da arquitectura do realismo soviético – numa das praças mais movimentadas da cidade.
A escola circense (ao tempo) soviética foi, é, será das mais conceituadas do Mundo, a par da chinesa, então menos conhecida. Os menos novos de nós, lembrar-se-ão certamente do deslumbre que foram as primeiras apresentações do Circo de Moscovo no vetusto Coliseu dos Recreios, na segunda metade dos anos 70.
Em Kiev, no Circo, assisti a espectáculos magníficos da mais elaborada e rigorosa arte circense que me fizeram reviver tristemente os paupérrimos, por vezes degradantes, espectáculos (?) de circo ambulante que percorriam a província em Portugal nos anos 50 e 60.
Na Ucrânia o Circo tem o lugar que merece de direito, entre as Artes maiores.
Dnipro (ou Dniepre ou Slavutisch)
Dnipro ou Dniepre ou Danaper são versões do nome que os Romanos deram ao rio Slavutisch, original em Eslavo antigo do rio que banha a cidade de Kiev.
São quase 2.400 quilómetros de curso de água que, vindo do norte da Rússia, atravessa a Bielorússia e a Ucrânia, até encontrar o Mar Negro.
Nas margens do Dnipro, a norte de Kiev, fica a tristemente famosa central nuclear de Chernobyl. À data do acidente, o capricho dos elementos, nomeadamente os ventos, poupou Kiev e empurrou as chuvas e poeiras radioactivas para norte e nordeste, marcando indelevelmente, até hoje, a Bielorússia, os Países Bálticos e até a Escócia. Conheci, pessoalmente, alguns – os próprios ou seus descendentes – ucranianos de várias profissões – médicos, engenheiros, operários – que à data do acidente, aliás escondido e negado pelas autoridades soviéticas durante cerca de 7 dias até as radiações e a contaminação se tornarem evidentes, incontroláveis e inegáveis, marcharam (pelo que me asseguraram) voluntariamente a caminho da contaminação certa e da provável morte lenta e atroz. Gente de outra condição.
Apesar das medições dos níveis de radioactividade não serem superiores a qualquer outra cidade europeia, por vezes até inferiores, tomávamos algumas precauções elementares, como não beber água da torneira, mas aproveitámos o rio, em tudo o que tinha para oferecer, durante o Verão. Praias fluviais, ilhotas propensas e convidativas a passeios e actividades de ar livre, atraíam centenas de kievenses.
O Inverno trazia outro encanto ao rio, com a superfície gelada, palco de caminhadas acidentadas, pista de patinagem para os mais afoitos e corajosos, supostamente sabedores da espessura da camada de gelo.
Os mais conhecedores das manhas da invernia faziam da superfície de água gelada um cais de pesca, sentados nos seus bancos de campanha no meio do rio (!), com a linha de pesca pendurada num furo feito no gelo, até encontrar a água no estado líquido. Nunca percebi se pescavam alguma coisa ou se era apenas um passatempo aparentemente suicidário.
Evgeny Vuchetich
Escultor maior da corrente do Realismo Socialista, nasceu na cidade de Yekaterinoslav, hoje Dnipropetrovsk, na Ucrânia. Com inúmeras obras monumentais no espaço da então URSS, é o autor de um dos mais emblemáticos símbolos da cidade de Kiev, o memorial evocative da II Guerra Mundial, cuja face mais conhecida é uma estátua de 62 metros de altura, totalmente construída em titânio, conhecida como a Mãe da Pátria.
A figura feminina (a que os Ucranianos, carinhosa e respeitosamente, chamam “Olga” como invocação do nome feminino mais popular no país) tem um escudo de armas da URSS na mão esquerda – que, creio, não terá sido alterado até hoje – e uma espada erguida na mão direita. Curiosamente, se repararmos bem, a ponta da espada está cortada, como uma espátula.
Porquê ? Simples, mesmo nestas coisas das evocações históricas, o peso da religião conta mais, e a ponta da espada era mais alta do que o topo da cruz da Torre do Sino do Lavra …
Futebol (ou seja, Dynamo Kyiv)
Os ucranianos são latinamente emocionais quando o assunto é futebol. O Dínamo de Kiev é, obviamente, uma instituição da cidade, seguida, amada e idolatrada por milhares de seguidores.
Eu era visita regular do velhinho estádio Lobanosvkyi, homenagem ao treinador Valeriy Lobanovskyi, mentor do grande Dynamo de sucesso europeu e, de algum modo, da escola de futebol soviética dos anos 80. Apesar de ter apenas 16.000 lugares (para os jogos maiores e competições internacionais, o Dynamo recorria ao Estádio Olímpico), implantado no meio de (mais um) belíssimo parque da cidade, o Lobanovskyi conseguia um ambiente fantástico. As bancadas de betão eram, para protecção da neve e do gelo e para a comodidade possível dos espectadores, revestidas de estrados de madeira. O som, amplificado pelo estádio, de 16.000 pessoa a bater com os pés nos estrados de madeira era verdadeiramente impressionante e, tenho a certeza, intimidante para a equipa adversária.
Tive a oportunidade de ver grandes jogos de uma magnifica equipa do Dínamo com alguns jovens jogadores que, nos anos seguintes, se imporiam no panorama europeu, Andryi Sevschenho, Sergey Rebrov, Oleg Luzhny, entre outros. Na minha festa de despedida de Kiev, os meus colegas ofereceram-me uma camisola do Dynamo que guardo com carinho.
Gorilka
É a palavra para Vodka. Pode até, mais genericamente, designar qualquer bebida alcoólica destilada (foneticamente, a palavra é muito semelhante a “queimar”, gority em ucraniano).
Muitos ucranianos destilam a sua prória Gorilka caseira, então chamada Samogon (literalmente, destilação própria ou produção própria), a partir de cereais vários, batata, mel, beterraba, etc, etc e etc. Uma das variedades mais conhecidas da vodka ucraniana, é a Pertsivka, basicamente gorilka com uma infusão de malaguetas. Muito popular entre os ucranianos, e não deixando de ser saborosa, asseguro que não proporciona um acordar muito pacífico …
A imaginação dos ucranianos é prodigiosa no que toca a aditivar, aromatizar, macerar, o que quer que seja, a sua vodka. No mercado local, encontramso assim variedades infusionadas com bagas várias, morangos, alperces, pétalas de rosa, ervas silvestres, limão, laranja, cravinho, pimenta, hortelã, ameixas, mirtilos e por aí fora. São, normalmente, envelhecidas em casa, em ciclos de sol e gelo. Haja coragem !
“And bring us a lot of horilka, but not of that fancy kind with raisins, or with any other such things — bring us horilka of the purest kind, give us that demon drink that makes us merry, playful and wild !” escreveu Nikolai Gogol, provavelmente sabendo do que falava !
Havana, aka Caribbean Club
Era a discoteca mais frequentada pelos estrangeiros residentes em Kiev no final dos anos 90. Gerida por Pepito – um cubano habanero mulato, divertidíssimo e semi-alucinado, ex-estudante de qualquer vaga carreira universitária de que nem ele próprio se recordava com precisão – que tinha decidido trocar a morna dolência caribenha pelo rigor do gelo dos Cárpatos, tinha boa música e um ambiente descontraído e agradável.
Principalmente pelas idas para a (e as vindas da) discoteca fiquei a conhecer uma realidade (alternativa) da cidade, a rede de transportes publico/privados. A rede de táxis (ditos) oficiais era escassa, principalmente à noite e durante o Inverno. A alternativa era simples e muitíssimo eficaz: bastava fazer sinal ao primeiro carro que passasse, que, após breve negociação do preço, nos conduzia ao destino pretendido. Viajei assim vezes serm conta, de dia ou de noite, em carros particulares desconhecidos, muitas vezes já parcialmente ocupados com outros passageiros, sempre sem o mínimo problema ou incidente.
Ikra
É a palavra original, em língua russa, para as ovas frescas de esturjão, o caviar. Em rigor, a designação “caviar” ou “caviar negro” deveria ser reservada às ovas de esturjões selvagens dos Mares Cáspio e Negro. 
Das 4 variedades principais de caviar, o mais raro e caro é o Beluga do Mar Cáspio, acessível pelo Irão, Kazakistão, Rússia, Turkmenistão e Azerbeijão. Distingue-se pela elegância do sabor e pela untuosidade suave e dimensão dos ovos. De seguida, o caviar do esturjão Sterlet, de pequena dimensão e cor dourada, extremamente raro e hoje em dia quase extinto no estado selvagem, o caviar starlet era iguaria reservada aos Czares da Rússia, Shahs do Irão e Imperadores Austro-Húngaros. No fim da escala da qualidade, o Ossetra e o Sevruga, dado o seu paladar ser considerado mais agressivo e menos refinado e os ovos mais duros e de menor dimensão.
A captura excessiva, a pesca furtiva e a poluição têm feito diminuir drasticamente os stocks de esturjão selvagem, estando hoje a espécie sujeita a captura controlada, ou mesmo interdita, na maior parte dos países produtores. Como consequência directa, os preços de mercado dispararam para valores astronómicos.
Comecei a apreciar caviar em Kiev, quando provei, pela primeira vez, as ovas frescas, não sujeitas a processamento nem conservação. Era, na verdade, uma explosão sublime de aroma e textura que pouco, ou nada, tinha a ver com o caviar enlatado e conservado que até então eu conhecia. No mercado, em época própria, os comerciantes de caviar apresentavam uns barris pequenos de madeira, cheios (!) de uma pasta negra untuosa, fluida e olorosa. Um frasco de meio-litro de caviar fresco de primeira qualidade custava, nessa altura, entre 20 e 30 dólares.
Programa de domingo à tarde: rumo ao mercado para comprar um frasco de caviar, outro de nata azeda (smetana), uns pés de aneto ou cebolinho. Fazer uns blinis caseiros e em cada um montar uma colher de caviar, um pouco de smetana e um toque das ervas acabadas de cortar. Recuperar a garrafa de vodka do congelador e dar graças à vida.
Jovovich, Milla
Milla Jovovich é uma digníssima representante da beleza ucraniana. Top model, actriz, cantora e designer de moda, Milla nasceu em Kiev, daí partindo para deslumbrar o Mundo.
Jack Palance, Mila Kunis, Vera Farmiga, David Duchovny, Dustin Hofman, Wayne Gretzky, Andryi Sveschenko, Serguei Bubka, Wladimir e Vitaly Klitschko ou Rick Danko são apenas alguns exemplos de ucranianos de nascimento ou origem que fizeram carreira internacional de relevo no meio artístico e desportivo.
Kreschatyk
A mais conhecida e a mais movimentada das avenidas (boulevards) de Kiev, estende-se por mais de 1 quilómetro entre a Praça da Europa e a Praça Bessarabia, com o seu famoso mercado (ver Rinohk Bessarabsky).
Uma avenida ampla, monumental, bordeada de castanheiros, implantada onde outrora corria um rio num vale densamente arborizado, ao tempo uma das áreas de caça favoritas dos príncipes de Kiev. O rio terá, aliás, sido encanado com a construção da avenida fazendo, ainda nos dias de hoje. o seu curso subterrâneo ao longo da Kreschatyk até encontrar o Dnipro.
No final do século XIX, a avenida conheceu a sua primeira época de esplendor, com belos edifícios de fachadas em pedra e as melhores lojas, restaurantes, hotéis e teatros da cidade.
A Kreschatyk guarda em si e nas suas cicratizes, a história recente da cidade. De facto, durante o período de turbulência que se seguiu à Revolução de 1917, muitos dos seus edifícios foram danificados, consequência da luta pelo controlo da cidade que passou sucessivamente pelo domínio dos Ucranianos, Alemães, Polacos e Bolcheviques.
A Segunda Guerra Mundial nela escreveu algumas das suas páginas mais trágicas e sangrentas. Supostamente, a maioria dos seus edifícios foram armadilhados com explosivos numa acção de cobertura da retirada do Exército Vermelho. As divisões alemãs ocuparam a cidade em 1941 e mais de 300 dos belos edifícios da Kreschatyk foram demolidos por accionamento remoto das cargas explosivas. Durante os dois anos de ocupação alemã, a avenida foi conhecida por Eichhornstrasse. A partir de 43, com a libertação de Kiev, começaram os trabalhos de reconstrução, ao estilo arquitectónico que subsiste até aos dias de hoje e constitui um perfeito exemplo da chamada Arquitectura Estalinista, cristalizada no famoso Hotel Ukraina (ver Maidan Nezalezhnosti)
Hoje em dia, a Kreschatyk volta a albergar algumas das melhores lojas de Kiev, de grandes marcas internacionais, e, de novo, restaurantes e esplanadas. Nos domingos de Primavera e Verão, a avenida é fechada ao trânsito e é ponto de encontro e passeio de habitantes e visitantes.
Lavra
Situado nas colinas da margem direita do Dnipro, o magnífico Kievo-Pecherskaya Lavra aponta as suas cúpulas douradas ao céu, sendo, juntamente com a Catedral de Santa Sofia, Património Mundial da Humanidade.
Conhecido como o Mosteiro das Cavernas (literalmente “pechera” significa caverna,e “lavra” é a designaçãoo comum para os mais importantes mosteiros de clausura masculina da Igreja Ortodoxa), é desde a sua fundação em 1015 uma das referências principais da Igreja Ortodoxa Cristã do Oriente. A comunidade foi iniciada por António, um monge grego que se estabeleceu nas colinas do Dnipro, fundadndo a Ordem dos Antonitas.
Ao longo dos tempos, o Lavra tornou-se no maior e mais importante mosteiro da Grande Rússia. São 30 hectares muralhados que albergam dezenas de edificações, mais de 20 catedrais, igrejas e templos, museus e o complexo de cavernas que servia de retiro e abrigo aos monges. Hoje em dia, os edifícios de maior relevo são a Torre do Sino (ponto mais elevado de Kiev – ver Evgeny Vuchetich), a Grande Igreja da Trindade, a Igreja do Salvador de Berestov, e a Catedral da Ascenção, destruída durante a Segunda Grande Guerra e agora reconstruída.
Para além da beleza e grandiosidade da decoração dos templos, nomeadamente as cúpulas douradas e os frescos no seu interior, o Lavra alberga ainda importantes colecções de ícones ortodoxos.
Continua a ser o mais simbólico ponto de peregrinação para os Cristãos Ortodoxos de todo o mundo, fazendo Kiev ser conhecida como a “Jerusalem Russa”.
Maidan Nezalezhnosti
Ou a Praça da Independência (designação que adquiriu após 1991, com a indepência política do país), porventura a praça mais emblemática de Kiev.
Atravessada pela Kreschatik, a Praça da Independência é um ponto incontornável da vida da cidade, albergando desfiles, paradas, concertos, manifestações de vária ordem e hordas de turistas.
Tal como a Kreschatyk (ver acima), a praça foi severamente danificada durante a 2ª Guerra e posteriormente reconstruída ao estilo soviético, com edifícios imponentes como o Hotel Ukraina ou a Estação Central de Correios.
Tornou-se internacionalmente (re)conhecida por ser o centro de dois movimentos políticos de massas, a “Ucrânia sem Kuschma” e a posterior “Revolução Laranja”, e das alterações políticas e sociais a que deram origem. O famoso primeiro discurso de Viktor Yuschenko (ver abaixo) como Presidente eleito teve, simbolicamente, lugar nesta belíssima praça. 
Renovada a partir de 2001, numa obra não isenta de polémica e contestação, a sua decoração tradicional com 6 fontes e a bela coluna que suporta a estátua do protector de Kiev, o Arcanjo Miguel, foi substancialmente alterada, acrescentando, agora, os monumentos aos míticos fundadores de Kiev, os irmãos Kyi, Schek and Khoryv, ao Cossaco Mamay, herói do folclore nacional, e a evocação de uma mais recente descoberta, com a estátua de Berehynia, uma obscura deusa eslava, protectora do lar e evocativa da sociedade matriarcal.
Neve
Dado o clima tranquilo com que a Natureza nos brindou, a minha preferência por viajar rumo a Sul e a minha falta de gosto e aptidão para os chamados desportos de Inverno, a neve nunca foi um destino que procurasse voluntariamente. Por isso, o meu contacto com a neve e o gelo limitava-se a ser uma consequência de deslocações profissionais de curta duração.
Após duas breves visitas a Kiev no fim da Primavera e no Verão, que me deram a ver uma cidade de clima ameno, com imensos parques, jardins floridos, zonas verdes e colinas arborizadas nas margens do Dnipro, assentei arraiais no fim de Setembro, quando a temperatura já tinha começado a baixar, os dias a encurtar e as folhas a cair das árvores. Passou Outubro e entrou Novembro. Terá havido uns (poucos) dias de chuva porque, de repente, o frio chegou e a chuva passou rapidamente a neve. Enquanto a temperatura continuou a descer, a altura de neve no chão começou a subir. Os parques cobriram-se de branco, os passeios tornaram-se mais estreitos com os montes de gelo acumulados pela limpeza das ruas, o rio Dnipro gelou e … assim ficou até Março.
Foi o meu primeiro Inverno. Habituei-me ao gorro de pelo de marta, às luvas e cachecol polartec, ao sobretudo e aos sapatos pesados. Estranhamente, o frio, continental, era muito mais suportável do que poderia imaginar, apeasr de o termómetro raramente espreitar acima dos 0º e frequentemente de precipitar abaixo dos 10º ou 15º negativos. Na minha memória fica para sempre gravada aquela madrugada na estação de comboios de Kiev quando, ao chegar da distante Lvov, perto da fronteira polaca, o termómetro me brindou com uns calorosos 29º negativos.
Fiquei a perceber o que quer dizer a palavra f-r-i-o !
Ópera
Kiev tem uma oferta cultural riquíssima, variada e muito competente em muitas disciplinas. A tradição, o ensino, a dignificação das profissões artísticas e a abundância de oferta fazem de Kiev uma cidade culta e dos seus habitantes consumidores regulares de espetáculos de qualidade.
Uma das principais salas da cidade é o magnífico Teatro de Ópera de Kiev, onde tive o privilégio de assistir a produções excelentes, clássicas, contemporâneas e modernas, de vários reportórios, todas de irrepreensível competência e qualidade interpretativa, musical e cénica.
Mas encontramos igual nível de oferta, em quantidade e qualidade, nos Museus, Galerias de Arte, Concertos, Espetáculos de Dança que abundam na cidade ou, mesmo nos performers de várias Artes que, na Primavera e Verão, animam as ruas.
A excelência do ensino das Artes na Ucrânia continua a atrair estudantes de todo o Mundo.
Pushkinskaya
O 4º andar do nº 25 da Rua Pushkin (Pushkinskaya) foi a minha casa durante o tempo que vivi em Kiev. Uma rua curta e pacata, paralela à longa e movimentada Kreschatyk, prestando homenagem ao grande poeta, romancista e dramaturgo russo Aleksandr Sergeevich Pushkin (1799-1837), por muitos considerado maior poeta russo e o fundador da moderna literatura russa.
Consegui, numa época em que a oferta era ainda muito escassa dado que a procura se limitava a umas centenas de estrangeiros ocidentais a residir na cidade, um apartamento amplo e luminoso, remodelado com bom gosto em registo moderno.
A dois passos da minha porta, no início de uma belíssima avenida arborizada de estilo parisiense, o Boulevard Taras Shevshenko, resistia a última estátua de Lenine na cidade. No outro extremo da Pushkinskaya, o Teatro Lesya Ukrainka, com a sua programação de clássicos russos.
Do outro lado da rua, o Pilsner, um bar/restaurante checo, onde se podia beber uma ótima cerveja e provar pratos tradicionais. Por lá parava, por vezes, um outro Shevshenko, Andriy, ídolo da Kiev futebolística e estrela maior do Dynamo que, no final dessa época, rumaria a Itália e à glória no AC Milan.
Quimeras, Casa das
Construída em 1901 pelo arquitecto Vladislav Gorodezhkii como uma residência particular, a Casa das Quimeras (do original em russo) é um edifídio estranhíssimo, único e, de algum modo, assustador.
As fachadas exteriores – e, ao que se diz, também o interior – são decoradas com esculturas em cimento de animais fantásticos e mitológicos, peixes, elefantes, rinocerontes, antílopes, sapos gigantes, lagartos, serpentes e crocodilos. Um susto.
A casa está, como seria de esperar, rodeada e submersa nas mais variadas lendas de assombrações e maldições, tragédias e desgraças.
Correntes mais prosaicas defendem que seria apenas uma manifestação auto-laudatória do talento de Gorodezhkii ou, até, uma manobra publicitária para promoçãoo da fábrica de cimento de que seria sócio.
De qualquer modo, é sentimento comum dos Kievenses que a má sorte perseguirá quem a habitar. Mesmo que não seja a má sorte, pesadelos serão certamente…
Rinohk Besarabsky
Situado num dos extremos da Kreschatyk, o mercado (rinohk), bem como a praça, são assim designados em evocação da Bessarábia, uma região conquistada aos Turcos e hoje integrada na província de Odessa, território ucraniano, portanto.
Era o ponto central de acesso a frescos de qualidade, numa época em que a cidade ainda não oferecia grandes facilidades de abastecimento de produtos de gosto e consumo mais “ocidentalizado”.
. Do Besarabsky recordo com saudade os pontos de venda de caviar (ver Ikra), de cogumelos e frutos silvestres, de lacticínios, com uma longa escala de produtos – natas, soros, iogurtes, cremes – entre o leite e o queijo fresco. Recordo, sem evitar um sorriso nostálgico, que apesar do mercado ser coberto, a temperatura de Inverno era (muito) baixa. Por isso, as vendedoras ostentavam, naturalmente, imponentes e vistosos casacos e gorros de pele de marta, raposa e outra bicharada invernosa e peluda.
Santa Sofia
Património da Humanidade, tal como o Lavra, a Catedral de Santa Sofia foi fundada em 1037, no consulado de Yaroslav Mudry, patrono das artes, cultura e educação, que fez de Kiev uma das cidades mais importantes do seu tempo.
A Catedral servia de ponto central da vida cultural e política do Kievan Rus (espaço geográfico e político que viria a dar origem à Ucrânia, à Rússia e à Bielorússia), palco de recepção de embaixadas estarngeiras, registos de crónicas e sede da primeira Biblioteca Russa de que há registo.
. Severamente atingida durante as pilhagens de tártaros e mongóis, a Catedral conheceu períodos de declínio e abandono. Foi reconstruída no sec XVIII no melhor estilo Barroco Ucraniano adquirindo as cúpulas douradas e torneadas que a tornam famosa, mas conservando, no entanto, o interior bizantino. Mantem, desde então, a forma que lhe conhecemos hoje.
Mundialmente famosa pelos frescos e mosaicos bizantinos do sec XI, principalmente o mosaico gigantesco de 6 metros de altura da Virgem Maria em oração.
Taras Shevchenko
Taras Shevchenko (1814-1861), foi um poeta, artista e humanista ucraniano.
Os seus poemas e escritos são considerados a base na nova literatura ucraniana e, em grande extensão da língua ucraniana contemporânea. A dimensão literária de Shevchenko ofusca injustamente o seu talento como pintor e ilustrador.
A sua escrita inflamada e nacionalista, colocou-o em rota de conflito com o Imperador Nicolau I, o que lhe valeu a prisão e o exílio nos confins dos Urais, sob ordem do Czar de “estrita vigilância e total proibição de escrever ou pintar”.
Hoje, referencia maior da cultura ucraniana, Taras Shevchenko, homenageado em estátuas, memoriais, toponímia em toda a Ucrânia e, também, no estrangeiro, dá nome à principal universidade do país.
Ukrayina
O segundo maior país da Europa em superfície, um gigante ainda semi-adormecido, charneira e síntese entre a Europa central e a Europa de leste, entre o norte e o sul, cruzamento de climas, culturas, artes e hábitos.
A História encarregou-se de fustigar continuamente o povo ucraniano com guerras, opressões, invasões, desastres vários, imerecidos, injustos e imorais.
A Cultura, por seu lado, guarda um lugar cimeiro para os talentos do povo ucraniano em todas as disciplinas artísticas, da literatura à música, das artes plásticas à dança, do teatro ao circo.
O lema nacional “Liberdade, Concordância e Bondade” revela bem a natureza deste povo abnegado, corajoso e solidário.
Vladimirskaya
A Catedral de São Vladimiro é, seguramente, um dos mais belos exemplos da arquitectura religiosa de Kiev.
Construída no sec XIX por ordem expressa do Imperador Nicolau I para comemoração do nono centenário da baptismo da Rússia, foi financiada por uma recolha nacional de fundos ordenada pelo próprio Czar. Por exemplo, diz-se que o Kievo-Pecherskaya Lavra (ver Lavra) ofereceu um milhão de tijolos utilizados na edificação da Catedral.
Dedicado a São Vladimiro, o Príncipe russo que baptizou a Rússia e instituiu o cristianismo como religião oficial, o templo foi concebido ao estilo Bizantino Antigo, ostentando magníficos frescos e mosaicos que têm como tema central condutor a história do Cristianismo Ortodoxo Russo. O recanto dos ícones, bem como paredes e pavimentos são feitos em mármores multicolores oriundos de várias partes do Mundo.
Vladimirskaya é considerada o exemplo maior da Arte Religiosa Russa.
Wladimir Horowitz
Aclamado como um dos maiores pianistas de todos os tempos, Wkadimir Horowitz nasceu em Kiev em 1903.
Tendo ganho nome e reputaçãoo no espaço da, então, URSS, Horowitz foi nomeado para representar a Ucrânia bo Concurso Internacional Chopin de Piano em 1927. Decidiu, nessa altura, não participar no concurso e permanecer no Ocidente, tornando-se um dos primeiros dissidentes da área da cultura.
A sua técnica invulgar, com posicionamento das mãos pouco ortodoxo, e o domínio do instrumento, nomeadamente as amplitudes sonoras que conseguia produzir, fizeram de Horowitz um intérprte lendário e aclamado pelo público.
Contudo, uma personalidade instável e depressiva, ter-lhe-ão condicionado alguns dos melhores anos da sua carreira artística. Voltou, com esplendor artístico, aos palcos nos anos 80, com digressões triunfantes pela Rússia (onde regressou pela primeira vez desde 1925 e deu ao mundo o extraordinário “Horowitz in Moscow”) e pela Europa.
Casado com a filha de Arturo Toscanini, veio a morrer em 1989, sendo sepultado no mausoléu do maestro italiano, em Milão.
Yushenko, Viktor
Viktor Andriyovich Yushenko foi a figura central de um histórico processo eleitoral que levaria à chamada Revolução Laranja.
Candidato da oposição às eleições presidenciais de 2004 contra Viktor Yanukovysch, foram necessárias 3 rondas eleitorais para ser, finalmente, proclamado como Presidente da Ucrânia. De facto, após uma primeira ronda onde nenhum dos candidato obteve maioria, a segunda volta foi manchada por alegadas fraudes eleitorais, em favor de Yanukovych, constituindo o detonador para a mobilização pública popular e expontânea que, durante 13 dias consecutivos ocupou a Praça da Independência em protesto.
O movimento alastrou a outras cidades ucranianas e, finalmente, o Supremo Tribunal da Ucrânia ordenou a realizaçãoo de uma terceira ronda a 26 de Dezembro de 2004, que garantiu a vitória a Yushenko.
A campanha eleitoral tinha sido, de qualquer modo, extremamente violenta e agressiva. Já em Setembro desse ano, Yushenko tinha ficado seriamente doente por alegado envenenamento por dioxinas que, para além de o colocarem às portas da morte, o desfiguraram para sempre. Será mais um dos casos em que a verdade absoluta dificilmente virá ao de cima, até porque, pelo meio e até hoje, subsistem acusações mútuas e cruzadas de falsificação e manipulação de provas e evidências.
Antes da política, Viktor Yushenko fez carreira como um conceituado economista. Enquanto Governador do Banco Central da Ucrânia, idealizou, promoveu e dirigiu a modernização do sector bancário ucraniano e a abertura ao exterior. Nessa época, tive o privilégio de conhecer e trabalhar com Viktor Yushenko.
Zoloti Vorota
Ou as Portas de Ouro, são o ponto central da única secção da muralha primitiva de Kiev que chegou aos nossos dias. 
Construída no início do sec XI, inspirada na entrada de Constantinopla, era a porta de honra de entrada na cidade de Kiev para dignitários e visitantes ilustres. Conta a lenda que Yaroslav Mudry, prometeu à Virgem a edificação de uma igreja caso vencesse a batalha final contra os nómadas que pretendia expulsar de Kiev. Vencida a batalha, edificou nas Portas de Ouro, a Igreja da Anunciação.
Foram um marco importante na história e na vida da cidade até ao sec XVIII, altura em que já completamente soterradas por deslocamentos de terras.
Recuperadas a partir de 1830, as Portas de Ouro foram devolvidas ao lugar central que devem ocupar na história e na imagem da cidade.
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